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MEDITAÇÕES

A Palavra de Deus é a relíquia das relíquidas, a única, na verdade, que nós, cristãos, reconhecemos e temos. (MARTIN LUTERO)

Vá para o seu quarto

O título desta mensagem parece um castigo dado a uma criança depois de uma molecagem. Longe disso! Na verdade, trata-se de uma orientação dada por Jesus aos seus discípulos a respeito da prática da oração. Mesmo que Deus não possa ser visto, ele “vê o que você faz em segredo”. Parte da nossa prática da espiritualidade precisa de ambiente privado, onde Deus e a pessoa crente estejam sós, um diante do outro. E mesmo na intimidade de um quarto, orienta Jesus, é preciso evitar repetições e orações longas. Afinal, Deus já sabe do que necessitamos, antes mesmo de abrirmos a nossa boca para pedir (Mateus 6.5-8).

Retirar-se do meio das pessoas para conversar com Deus foi um recurso muito usado por Jesus. Seja em lugares desertos (Lucas 5.15), no alto de um monte (Mateus 14.23) ou em lugar qualquer (Lucas 11.1), ele procurava ficar sozinho para orar. A oração feita de maneira reservada promove liberdade e intimidade entre o Filho e o Pai, entre o crente e seu Deus. Jesus mostra que essa espiritualidade individual é indispensável para o testemunho público coerente da fé. Depois disso, ele retornava ao seu caminho e convívio com as pessoas.

A oração feita em público, nas igrejas e nas praças, corre o risco de ser hipócrita, ou seja, fingida, caso não esteja amparada na prática da espiritualidade individual. Além do mais, a oração pública pode ser instrumentalizada como forma da pessoa subir no conceito aos olhos dos outros (Mateus 6.5). Jesus procura evitar esses perigos, oferecendo aos seus discípulos uma oração coletiva: o Pai Nosso. No privado, me dirijo a Deus no singular. No público, convém dirigir-se a Deus no plural, expressando a fé de maneira comunitária. As duas esferas da vida são importantes para a prática da espiritualidade, da oração. Ora uma é mais necessária e conveniente, ora a outra. Oração praticada em um só desses dois ambientes fica capenga.

Estamos passando por um período de afastamento social em virtude do Coronavírus (Covid-19). É um instrumento de saúde pública que ajuda a diminuir o contágio, a baixar o índice de mortalidade e a evitar um colapso no atendimento aos infectados pelo sistema de saúde. Com responsabilidade pública, amor ao próximo e em defesa do dom mais precioso de Deus, que é a vida de cada pessoa, também a IECLB orienta seus membros a ficarem em casa.

É em um momento como esse que é exigida, de maneira mais intensa, a prática de uma espiritualidade individual e familiar, tanto da parte dos membros como da própria Igreja. Além das meditações contidas nas Senhas Diárias e nos devocionários Castelo Forte, Semente de Esperança e Orando em Família, as novas mídias sociais possibilitam que se preparem e enviem mensagens, celebrações e cultos via internet. Até mesmo o aconselhamento pastoral pode se adaptar a essas novas condições.

Também é preciso admitir que ofícios, como bênçãos matrimoniais e bodas, visitas pastorais, sacramentos (Batismo e Santa Ceia), bem como todas as atividades dos grupos, setores de trabalho e até do Presbitério e diretorias são impactados por essas medidas restritivas das atividades presenciais. Serenidade, paciência, solidariedade e diálogo são as atitudes mais exigidas de nós nessa hora. Programações, reuniões e planos diversos, pessoais e comunitários, precisam ser revistos sob o crivo da nova situação, que é passageira, sabemos. No entanto, não sabemos exatamente quando poderemos voltar às nossas atividades normais.

Aliás, seria uma pena retornarmos sem termos aprendido nada dessa crise de pandemia da Covid-19. Na metáfora do “vale de ossos”, de Ezequiel 37.1-14, o cativeiro babilônico do povo de Israel e o socorro de Deus deveriam levar a uma profunda mudança: “Eu vou abrir os túmulos onde meu povo está sepultado e vou tirá-los para fora; aí ficarão sabendo que eu sou o SENHOR” (37.13). Momentos assim, em que somos forçados a parar, cativos em nossas casas, somos convidados a refletir sobre nós mesmos e a forma em que vivemos em família, em comunidade e em sociedade. Quais são os nossos “vales de ossos”? Onde estão os nossos “vales escuros como a morte” (Salmo 23)? A reflexão é importante para não andarmos em círculos e retornarmos sempre para os mesmos lugares comuns.

Socorrer, consolar e esperançar é fundamental numa situação de calamidade pública e/ou pandemia de Covid-19. Mas aprender e crescer com as crises também é preciso, para que os velhos erros não se repitam. E isso vale para todos os setores da nossa vida, inclusive para o testemunho público e comunitário da Igreja. Vamos tirar lições para o futuro, para a nossa prática individual e familiar de espiritualidade, bem como para o nosso testemunho comunitário e jeito de ser Igreja de Jesus Cristo no mundo. Atravessamos os vales para chegar ao outro lado, mas diferentes.

Não temos o controle pleno de nossas vidas. Deus é o SENHOR! “Só tu sabes se podem ou não” os ossos ter vida de novo, afirma o profeta Ezequiel. Precisamos uns dos outros e dependemos, sobretudo, de Deus. Nossas vidas dependem da capacidade de vencer o individualismo e o isolamento. Sobreviveremos às catástrofes e pandemias de nossas vidas,  apenas, se formos capazes de exercitar a solidariedade e a cooperação entre nós. Não somos senhores e capitães absolutos do nosso destino. Nossas vidas, liberdade e saúde dependem da interação entre nós, do apoio mútuo, sem exclusão de ninguém. E todos nós dependemos, por fim, das mãos misericordiosas de Deus, que cria e recria a vida, no começo, no meio e no fim de todas as coisas.

 

P. Luis Henrique Sievers

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